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segunda-feira, dezembro 06, 2010

Idéias Enlatadas III - Regras, pra quê?


Se de um lado as regras cedem espaço e formam a base que a criatividade precisa para fluir - de uma forma paradoxal, mas sinérgica - do outro elas impedem a fluidez da imaginação - seja pelo excesso, pela complexidade ou por serem rasas demais. 

Complicado? Explico.
Pense na seguinte situação: você trabalha para uma revista e precisa fazer um anúncio; sua criatividade entra no saber usar as regras do ambiente - medidas, diagramação, número de páginas, público-alvo, meio de comunicação - a seu favor, até mesmo se isso incluir uma quebra ou mesmo uma... "reinterpretação" delas mesmas.

Peixe loko.
Com a imaginação, é quase a mesma coisa, com exceção de que as regras deviam ser pensadas em função da imaginação, e não o contrário. Mais ou menos como a imaginação servindo como espaço por onde as regras seriam aplicadas, tornando as regras amarradas pela imaginação, e não restringindo a imaginação com elas.

Trazendo para nosso hobby favorito: precisamos mesmo de regras para jogar RPG? 

I.   Os mais apressados, responderiam (eu incluso, com ressalvas): não, não precisamos. Precisamos de bom-senso e de jogo de cintura, no máximo. 

Como visão minimalista, está correto, ao seu modo. Você não precisa comprar livros e mais livros de regras para jogar um jogo cuja matéria prima é sua imaginação; você só precisa ter em mente o foco da aventura e um basicão de quem é quem, acabô. Dá pra jogar? Dá pra jogar. Eu já fiz, tenho amigos que já fizeram e realmente preferem mestrar sem regras, sem ficha, sem livros, só na garganta. 

Eu preferia.

Mas, ultimamente - e graças a uma ou duas sessões que eu mestei - tenho cedido território às pessoas que advogam a favor da existência das regras: é um espaço pequeno e cercado, no entanto; continuo não gostando das regras, e tenho pra mim que elas continuam entrando no caminho da diversão, na maioria das vezes. 

Essa foi a minha cara.
Exemplo: D&D 4th. Enfrentávamos um dragão bastante forte para o grupo, cuja carapaça era praticamente impenetrável; meu personagem não via sentido em ficar batendo espada contra escama, se aquilo não causava nenhum dano visivel ao monstro. A descrição do mestre indicava que havia diferença entre as escamas pois ele era um dragão mestiço, então, pensei comigo: "Então belê - é só encontrar um ponto vulnerável no corpo dele". E fui, empolgado, narrar minha ação pro mestre: "Ow, bróder, seguinte: quero ver se há algum ponto mais vulnerável das escamas dele, ver se tem um local melhor pra atacar. O que eu rolo?", ao que o mestre me responde: "Você já está fazendo isso.", com uma expressão de "pára de viajar". 

No bom e velho D&D presume-se que você esteja atacando da melhor maneira consiga, literalmente todas as vezes dando o seu melhor - foi por isso, de acordo com o mestre, que minha idéia não passou de uma idéia. O D&D já presumia, então eu jogar estava sendo um extra.  

São coisas como essa que  me fazem ver as cordas por trás das marionetes. Essa separação entre descrição/regras torna tudo mais inconsistente, pois na vida real não vemos diferença alguma entre as leis da física e a mesa na nossa frente; ambas coexistem, sem separações, uma complementa a outra. Se eu falo que a mesa é pesada, você acredita que ela seja e age de acordo com essa premissa, prevendo a força que você empregará; voltando ao dragão mestiço: eu sabia que a) havia diferença nas escamas em seu corpo e b) meus ataques eram irrelevantes. Decidi trocar a estratégia, esperando que houvesse alguma relação lógica, mas as regras só iam até o ponto da CA do monstro, e fim de papo. Resultado, suspensão da descrença 0, D&D 1.

Coyote não conhece as regras do mestre Chuck Jones.
II.  Resumindo tudo: regra é bom quando apóia o seu jogo, quando não te impede de agir, quando suporta suas ações e quando tira dos seus ombros as preocupações com certos efeitos ("quando minha maldição entra em jogo, mestre?"), tornando o acordo entre mestres e jogadores um contrato fechado, mas sem fechar jogadores e mestres num acordo. 

Deu pra entender, ou teve algum ponto que você discordou? Não tenha medo, pode comentar aqui em baixo, a gente está aqui pra isso.

Keep Kickin'.

2 Falatórios:

Francisco Ferreira disse...

O D&D, como simulador de fantasia medieval, presume que todos os personagens estão dando tudo de si na ação.
É só lembrar-se de quantas histórias épicas você conhece onde os heróis não estão 100% envolvidos durante um combate ou situação problema. Se nenhuma vier a sua mente, não estranhe. Isso é ser épico. =)

Vergatti disse...

Mas o problema é diferente: é a própria dinâmica de "vejo - penso - ajo", que foi violada na cena do post. A presunção do 110% tá ok.